De acordo com a Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA) e o Instituto Brasileiro de Direito Aeronáutico (Ibaer), o Brasil é o país que mais registra processos contra empresas aéreas: 98,5% dos casos que vão parar nos tribunais em todo o mundo envolvem passageiros brasileiros. Em média, são abertos oito processos judiciais a cada 100 voos realizados.
Os CEOs e demais gestores das companhias que, com frequência demonstram descontentamento com o mercado brasileiro devido à alta quantidade de ações, ressaltam que o “costume” de judicializar os casos pesa no bolso dos próprios consumidores. Devido ao grande volume de processos e indenizações, as empresas são obrigadas a compensar as despesas por meio de reajuste nas passagens. Ou seja, todos saem perdendo.
No entanto, o que as companhias aéreas não mencionam nos pronunciamentos são as causas que levam os consumidores a buscar o poder judiciário. Além disso, também não citam um dado importante: na maioria dos processos, a justiça dá razão aos passageiros, aplicando penalidades às empresas.
Um dos fatores para recorrer à judicialização é que o Brasil é o país com o acesso mais democrático à justiça. Além disso, quem se desloca de avião sabe que as empresas dão motivos para serem levadas aos tribunais.
De passagens alteradas em cima da hora, atrasos ou cancelamentos de voos, mudança de rotas, extravio de bagagem, alteração na malha aérea, não devolução dos valores pagos, overbooking (quando a empresa vende passagens acima da disponibilidade dos lugares disponíveis), falta de assistência por atrasos ou cancelamentos, entre outros fatores que prejudicam os consumidores.
Diariamente passageiros são surpreendidos com a informação que o voo foi cancelado devido a falhas mecânicas na aeronave. Em situações assim, a companhia deveria realocar os passageiros conforme a sua escolha em outros voos, mesmo que de outras empresas, como estabelece o Art. 21 da Resolução nº 400 da ANAC, a Agência Nacional de Aviação Civil. Mas a lei não é respeitada.
Além disso, boa parte dos cancelamentos não ocorre exclusivamente por problemas na aeronave ou condições climáticas adversas, mas sim por uma espécie de “efeito dominó” ocasionada pela falta de tripulantes que, de acordo com a lei, têm jornada de trabalho específica e não podem fazer hora extra. O que poderia ser resolvido com equipe extra, mas isso também não acontece.
Outra desculpa recorrente das empresas, que não gera o cancelamento, mas ainda assim compromete o cliente é a alteração de voo por reorganização da malha viária. Nestes casos, a remarcação da passagem é feita de forma unilateral, seguindo somente os critérios da empresa, sem considerar os prejuízos ao consumidor que, ao comprar o bilhete aéreo, escolheu justamente o dia e horário mais adequados.
Os problemas aos passageiros podem chegar até mesmo depois da viagem, como o extravio de bagagens. Os órgãos competentes informam que toda e qualquer irregularidade verificada na bagagem, seja ela de mão ou despachada, pode ser reclamada junto à empresa aérea.
No caso de perda da bagagem despachada, a ANAC não possui competência para intervir no valor da indenização. Mas a própria agência recomenda que se o passageiro não concordar com o montante oferecido pela empresa deve reclamar judicialmente. No entanto, o valor tem limite máximo previsto na Resolução ANAC nº 400/2016 e conforme disposto na Convenção de Montreal.
Além destas normas, o regulamento CE 261/2004 da União Europeia (UE) protege os Direitos dos Passageiros afetados por voos atrasados, voos cancelados, recusa de embarque (inclusive em casos de overbooking) e perda de bagagem, nos casos de empresas europeias e companhias que voam da Europa para o Brasil, inclusive as brasileiras. Por meio deste regulamento, os passageiros não só têm os direitos e bem-estar protegidos, como podem beneficiar de uma compensação monetária que varia entre 250 a 600 euro. Os cancelamentos por questões climáticas não são indenizáveis.
Apesar das reclamações das companhias aéreas, para o advogado João Pimenta, o número de casos poderia ser maior diante da realidade enfrentada pelos passageiros. Somente no escritório em que atua, a média é de 95% de resultados judiciais positivos aos passageiros.
“As empresas optam por priorizar os lucros e não os clientes. Afinal, é mais barato fretar ônibus ou colocar os passageiros em hotéis, quando assim o fazem, do que remanejar em voo de outra companhia ou arcar com o custo da tripulação em espera. As empresas deveriam reclamar menos da judicialização no Brasil e analisar mais as causas que as levam aos tribunais”, ressalta o advogado João Pimenta, especialista na área, com mais de 2 milhões de milhas voadas e que já vivenciou na prática os problemas mencionados.
Ou seja, quando o desgaste vai para muito além da viagem, para os passageiros o melhor destino ainda é a justiça.