A partir da premissa que a Revisão do Código Ambiental de Santa Catarina, Lei 18.350 de 27 de janeiro de 2022, revogou da redação do inciso III, do artigo 15 anterior, tem-se que a Polícia Militar Ambiental não detém mais competência para autuação de infrações administrativas.
O entendimento predominante é que a Polícia Militar Ambiental mantém a competência para fiscalização ambiental. No entanto, a definição do enquadramento legal, a dosimetria da penalidade, expedição do auto de infração e a regularização ambiental pelo licenciamento inserido no Projeto de Recuperação de Área Degradada são de atribuição exclusiva do IMA-SC, que tem competência para o licenciamento ambiental, mantendo em seus quadros servidores altamente qualificados.
Assim, a PMA-SC segue fiscalizando e ao constatar algo em descumprimento com as normas, notifica o IMA-SC para que faça o enquadramento legal, emita o auto de infração e fixe as penalidades, inclusive eventual análise de regularização ambiental, por meio do Projeto de Recuperação de Área Degradada que, em última análise é, também, uma espécie do licenciamento ambiental.
O questionamento decorrente da alteração é: como ficam os processos administrativos para apurar infrações ambientais, decorrentes da competência da PMA, instaurados anteriormente à Lei 18.350 de 27 de janeiro de 2022?
A revisão do Código Ambiental de Santa Catarina, Lei 18.350 de 27 de janeiro de 2022, redefiniu a competência para fiscalizar, autuar e julgar processos administrativos infracionais, definindo a competência exclusiva do IMA SC para fiscalização, além do processamento e julgamento dos processos administrativos decorrentes de Auto de Infração Ambiental:
Art. 14 Ao IMA, sem prejuízo do estabelecido em lei própria, compete: (Redação dada pela Lei 18.350, de 2022).
I – elaborar manuais e instruções normativas relativas às atividades de licenciamento, autorização e fiscalização ambientais, visando à padronização dos procedimentos administrativos e técnicos dos seus servidores;
IV – fiscalizar, auditar e acompanhar o cumprimento das condicionantes determinadas no procedimento de licenciamento ambiental;
V – lavrar auto de infração em formulário único do Estado e encaminhá-lo ao órgão ambiental licenciador, para a instrução do correspondente processo administrativo; (Redação dos incisos II ao V dada pela Lei 18.350, de 2022)
XI – apoiar e executar, de forma articulada com os demais órgãos, as atividades de fiscalização ambiental de sua competência;
XII – articular-se com a PMA no planejamento de ações de fiscalização e no atendimento de denúncias;
XIII – fiscalizar e aplicar sanções administrativas, emitir notificação de fiscalização, lavrar auto de infração ambiental e conduzir o respectivo processo administrativo, bem como inscrever em dívida ativa os autuados devedores, quando da decisão não couber mais recurso administrativo; (Redação dos incisos XII e XIII dada pela Lei 18.350, de 2022)
A Lei 18.350 de 2022 estabeleceu nova regra processual para os processos administrativos decorrentes de auto de infração ambiental, concluindo-se pela incompetência absoluta da PMA-SC para processar e julgar.
A referida lei, quanto a este aspecto, tem natureza nitidamente processual porque dispõem sobre matéria processual, razão pela qual aplicam-se as regras gerais sobre o tema e que estão dispostas no Código de Processo Civil.
Oportunamente se esclarece que as disposições do Código de Processo Civil (art. 15 do Novo Código de Processo Civil[1] (Lei 13.105, de 16.03.2015), aplicam-se supletiva e subsidiariamente aos processos administrativos. A aplicação das normas processuais no processo administrativo tem como premissa o controle dos atos administrativos, ante a possibilidade de se usar tal instrumento para se exigir o atendimento ao princípio da motivação dos atos administrativos[2].
Na acertada lição de Fernanda Marinela[3], ‘o processo administrativo é um instrumento de legitimação da conduta dos administradores para documentar e padronizar as atividades administrativas” e tem como objetivo servir de: mecanismo de documentação da ação estatal; instrumento para a transparência na ação estatal; mecanismo de controle; instrumento de fundamentação da conduta; instrumento de legitimação da atividade administrativa e instrumento para inibir as condutas arbitrárias.
O processo administrativo sancionador ambiental é aquele no qual se apura a ocorrência de infrações administrativas por condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Concretiza a garantia constitucional não apenas do devido processo legal na esfera administrativa, mas ainda do contraditório e ampla defesa, incluindo os meios e recursos a ela inerentes (CF, art. 5º, LIV e LV).
No processo administrativo sancionador, entre os meios colocados pelo ordenamento jurídico à disposição dos acusados encontra-se a competência administrativa da autoridade que tem como fonte o Princípio do Juiz Natural[4]:
Artigo 5º. que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. E acrescenta:
XXXVII – não haverá juízo ou tribunal de exceção;
LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente.
O direito de ver-se processado perante autoridade competente é regra no processo administrativo sancionador. Na ausência de lei em sentido formal que excepcione o regime estabelecido (na hipótese fixada pelo artigo 14, Inciso XIII da Lei 18.350 de 2022) para o processo administrativo sancionador ambiental, a competência da autoridade processante é condição de existência e validade do devido processo legal administrativo.
No que tange à aplicação da lei processual no tempo, o Código de Processo Civil, é de clareza meridiana:
Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada.
O Código de 2015 adotou a teoria do isolamento dos atos processuais que compreende cada ato de forma autônoma, de modo que a nova lei processual tem aplicação imediata, respeitando-se os atos já realizados e os efeitos por eles produzidos sob o regime da legislação anterior.
O STJ[5] já consignou que:
“A nova lei processual se aplica imediatamente aos processos em curso (ex vi do art. 1.046 do CPC/2015), respeitados o direito adquirido, o ato jurídico perfeito, a coisa julgada, enfim, os efeitos já produzidos ou a se produzir sob a égide da nova lei. Considerando que o processo é constituído por inúmeros atos, o Direito Processual Civil orienta-se pela Teoria dos Atos Processuais Isolados, segundo a qual, cada ato deve ser considerado separadamente dos demais para o fim de determinar qual a lei que o regerá (princípio do tempus regit actum). Esse sistema está inclusive expressamente previsto no art. 14 do CPC/2015
Neste sentido, os autos do processo administrativo ambiental decorrentes de Autos de Infração Ambiental exarados pela Polícia Militar Ambiental de Santa Catarina, a partir de 27 de janeiro de 2022, devem ser remetidos aos Municípios que detenham órgãos ambientais para licenciamento e fiscalização ambiental, nas hipóteses de competência Municipal ou ao Instituto do Meio Ambienta de Santa Catarina, IMA SC nas hipóteses de competência do Estado, para processamento e julgamento da Defesa apresentada no Auto de Infração.
[1] Art. 15. Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.
[2] Ao que tudo indica, é o mesmo raciocínio encartado pelo Legislador no novel Código Processual Civil que se aplica subsidiariamente ao processo administrativo tributário (art. 256 c/c art. 15, CPC/2015). Em tempo: o CPC/2015, aplicado subsidiariamente ao processo administrativo tributário, veda de modo expresso o ônus de produção de prova ‘impossível ou excessivamente difícil’ (art. 373, § 2°, c/c art. 15). AgInt no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.675.965 – MG (2020/0055434-9) RELATÓRIO MINISTRA ASSUSETE MAGALHÃES.
[3] MARINELA, Fernanda. Direito administrativo, 9ª. ed., São Paulo: Saraiva, 2015.
[4] Segundo a doutrina, o princípio do juiz natural se refere à existência de juízo adequado para o julgamento de determinada demanda, conforme as regras de fixação de competência, e à proibição de juízos extraordinários ou tribunais de exceção constituídos após os fatos.
[5] STJ. Primeira Turma. AgRg no REsp 1.584.433Relator: Ministro Gurgel de Faria. Publicado no DJe em 21/10/2016. https://www.migalhas.com.br/coluna/cpc-marcado/301790/arts–13–14-e-15-do-cpc—aplicacao-das-normas-processuais